Otelo e Dom Casmurro




O objetivo é fazer uma análise do ciúme no livro Dom Casmurro de Machado de Assis, observando o habilidoso artifício literário na própria construção da obra, dando ao narrador a sutileza de mostrar a história de Otelo, de William Shakespeare tendo como base os pressupostos teóricos que as obras demonstram.

Será apresentada, em três capítulos do livro Dom Casmurro a referência feita diretamente a Otelo. Essas alusões refletem a correspondência entre as obras.

" O livro"

Intensidade dramática do ciúme faz dele um tema atraente para escritores. Alguns souberam tratá-lo com supremacia e produziram obras primas, como os já mencionados: Shakeaspere e Machado de Assis.

O ciúme é um tema fundamental na tragédia de Shakeaspere pois além do ciúme de Otelo por Desdêmona, temos o de Iago por Cássio, porque este tem um posto militar superior ao seu.

Em "Dom Casmurro" as acusações fundamentam-se no excessivo ciúme que Bentinho nutria pela amada. Assim, Bentinho, que está à procura do tempo perdido, quer atar as duas pontas da vida, revivendo no presente o que já faz parte do passado. Como um "Otelo" à brasileira, Bentinho transfere para o leitor o encargo de decidir se Capitu é inocente ou culpada.

Bento Santiago, Otelo ou Iago?

No romance "Dom casmurro" de Machado de Assis, o leitor testemunha a luta entre o amor e o ciúme pelo domínio do coração de Bento Santiago, sendo o ciúme o grande vitorioso.

Além do ciúme, percebe-se claramente a influência da obra Otelo, de Shakespeare, no romance.

O personagem-narrador, Bento Santiago, chama a si mesmo de “Otelo”, porém assemelha-se mais ao estilo dissimulado de Iago que ao apaixonado Otelo.

Logo no primeiro capítulo, Bento Santiago explica o apelido que nomeia a narrativa "Dom Casmurro" dessa maneira faz com que o leitor não busque o significado no dicionário e, talvez assim, não possa achar que a definição padrão antiga (aquele que é teimoso) se aplique melhor ao narrador.

Mas não há nada de resistente e guerreiro em Bento Santiago, pelo contrário, é até covarde em algumas vezes, como percebemos logo no início da leitura: escondido atrás da porta da sala de estar, espionando.

Sua Desdêmona é Capitu, apresentada no início do romance com quatorze anos, mais alta que Bentinho, pobre e, embora, como Desdêmona, ela admire a própria beleza em um espelho, esse é barato, comprado por quatorze centavos de um mascate italiano.

Capitu tem a dignidade e o orgulho de uma dama bem-nascida, e um entendimento da vida muito além de sua idade – maior até que o da veneziana Desdêmona.

Pode-se dizer que José Dias, em "Dom Casmurro"assim como Iago, em Otelo, desperta o ciúme em Bentinho.

José Dias, em uma de suas visitas ao seminário, é interrogado por Bentinho a respeito de Capitu e responde que ela está alegre como de costume, adicionando que ela ainda conseguiria arranjar um dos rapazes da vizinhança para casamento. Nesse momento o vago sentimento de suspeita transforma-se em ciúme definitivo.

Desse ponto em diante o Iago passa a ser Bento, pois começa a sentir ciúmes de Capitu sob qualquer pretexto.

Otelo 

"O livro"

As alusões a Otelo  são feitas diretamente:

“Uma ponta de Iago”; - “Uma reforma dramática” e “Otelo”.

Em “Uma ponta de Iago”, quem funciona como o manipulador de lenços é José Dias; embora não sinta por Bentinho (Dom Casmurro, quando jovem) o ódio e a inveja do personagem Iago da tragédia shakespeariana, nem tampouco deseje a sua desgraça, como o outro almeja para o mouro.

José Dias é o agregado da família de Bentinho e se alia à mãe do rapaz para impedir a união dos jovens enamorados.

Dona Glória não deseja que Bentinho e Capitu fiquem juntos por preconceito de classe (a família de Capitu não tem posses) e pelo voto feito de tornar o filho padre.

Neste capítulo é que encontramos José Dias visitando Bentinho e insinuando um possível relacionamento entre Capitu e algum peralta da vizinhança, como mencionado anteriormente.  Essas insinuações envenenam o íntimo do seminarista, fazendo nascer o ciúme, sentimento cruel e desconhecido que acaba tomando conta de seu espírito frágil. No decorrer da narrativa, observamos que tal sentimento não se concretiza nem em homicídio nem em suicídio, como ocorre em Otelo; adquire, no entanto, uma progressão crescente que o arrasta para uma casmurrice irremediável: “Hoje, que me recolhi à minha casmurrice, creio que sim porque Machado de Assis é o rei dp neologismos  mas deve haver”.

No segundo capítulo citado, “Uma reforma dramática” o destino apresenta-se personificado. Bentinho propõe uma reforma dramática, as peças deveriam começar pelo fim. Assim, ele cita Otelo, para exemplificar sua proposta e, deste modo, tentar justificar o seu segundo ataque de ciúmes, ocorrido no fim da primeira visita de Escobar a sua casa, através da inversão dos termos da peça shakespeariana.

Considerando a correspondência entre as obras, as considerações apresentadas são como uma reflexão sobre o flasch-back, regime que foi adotado no romance (já que o seu fim foi colocado no início).

Em um dos capítulos, o protagonista, após jantar, vai ao teatro e assiste à peça Otelo. Em meio a reflexões, ele afirma que Capitu é culpada, diferente de Desdêmona. Uma mudança de planos é feita. A peça Otelo confirma a idéia de matar Capitu. Depois, ele a troca pela idéia de se matar e, depois ainda, pela de primeiro matar o menino e depois a si.

"Cena do filme, Otelo O mouro de Veneza"


O arrependimento é um momento marcante na peça Otelo , mas em Dom Casmurro ele não acontece. A acusação de infidelidade aproxima Capitu de Desdêmona: ambas encontram-se envolvidas numa situação dramática que culmina com trágico desfecho. Para Capitu, porém, a situação é ainda mais complexa, pois o filho é usado como prova do adultério. O ciúme faz com que Bentinho despreze Ezequiel e lhe deseje a morte de lepra. Tal desejo permite supor que, pelo menos por alguns instantes, ele deseja que a natureza seja sua cúmplice e conclua a sua vingança, comendo a carne de Ezequiel, desaparecendo, assim, a prova concreta da traição.

Análise do nome em Dom Casmurro

Os nomes e sobrenomes utilizados no romance Dom Casmurro revelam a agilidade de Machado de Assis nesse assunto. Machado de Assis utiliza, por exemplo, o emprego de sobrenomes portugueses que remetem aos navegadores ou a figuras proeminentes dos primórdios do Brasil colonial, e os prenomes que remontam ao calendário dos santos e, algumas vezes, à Bíblia. Mas, quaisquer que sejam as conotações que esses nomes possam ter no mínimo um outro significado é sugerido, de uma ou de outra forma.

Os nomes utilizados nos personagens de Dom Casmurro têm significados sutis, complexos e diversos relacionados diretamente à natureza daqueles personagens que os detêm. Todos os prenomes podem ser localizados no calendário de santos católicos. Os sobrenomes, com exceção de Pádua e do estrangeiro Marcolini, remetem aos navegadores portugueses, indicando o sangue altivo.

O personagem principal, por exemplo, traz em seus nomes (prenome e sobrenomes) complexos e diversificados significados.

O nome “Bento” é extraído de Benedito (forma portuguesa usual). São Benedito e Santo Antônio são padroeiros do povo português. Além da relação entre o santo e o nome, o próprio significado de bento (adjetivo comum) é abençoado, bendito, consagrado ao culto por meio de uma cerimônia religiosa, favorecido pela Fortuna, próspero, abastado, que recebe as bênçãos de Deus. Todos esses sentidos são conferidos a Bento Santiago. Ele foi abençoado por Deus, pois seu nascimento foi um “milagre”. Sua mãe o entregou a Deus como gratidão pela vida dele. Ele é rico por sua herança e profissão.

O sobrenome “Albuquerque” pode ser relacionado ao grande e famoso Dom Afonso de Albuquerque, que fundou o império português na Índia e serviu na África e na Itália contra os turcos. Segundo pesquisas de Helen Caldwell, Dom Afonso de Albuquerque fascinava Machado de Assis.

Apesar de haver diversos Fernandes relacionados com a época do descobrimento, Helen Caldwell acredita que Machado de Assis tivesse em mente Antônio Fernandes, escanção e mordomo negro de Afonso Albuquerque, que foi um grande guerreiro. Isto pode significar que a mãe e a avó de Bento tinham sangue negro. Ainda poderia representar um toque de realismo, já que os primeiros colonizadores não trouxeram suas mulheres e tiveram filhos com suas escravas negras.

E, enfim, analisando o sobrenome Santiago, percebe-se que esse, assim como os outros dois sobrenomes, é um alto e tradicional nome português da época do descobrimento. Uma outra análise pode ser dada a este sobrenome: Sant-, ou seja, um santo, perfeito, correto em suas atitudes e Iago, o criador da discórdia. Iago, na história de Otelo de Shakespeare é o personagem antagonista, ou seja, Bento Santiago é, ao mesmo tempo, causador e vítima de seus atos. É ele que tem ciúmes de Capitu por qualquer pretexto, e, mesmo sem provas, destrói sua família com a separação e põe fim na sua felicidade, assim como na de sua esposa e na de seu filho. Apesar de agir de maneira fria em alguns momentos dramáticos da obra (como na morte de Ezequiel, por exemplo) o que se passou em sua vida continua sendo, até na sua velhice, no mínimo, causa de desassossego, pois, pelo que consta na obra, não refez sua vida ao lado de outra mulher, inclusive mencionou nela que teve várias mulheres, mas a nenhuma amou como havia amado Capitu.

A mãe de Bento Santiago, Dona Glória, recebe o nome da Virgem Maria (“Maria da Glória”). Para a família e dependentes, ela é uma santa. Para o agregado José Dias, ela é “Santíssima”. Dona Glória fala constantemente em Deus e nem mesmo o amor que sente pelo filho, impede de obrigá-lo à vida de seminarista contra a vontade, por temer, como ela própria diz, que Deus a castigue se quebrar o juramento. O sobrenome de Dona Glória é forte, é o sangue dos conquistadores nas veias de Dona Glória. Ela é uma senhora de escravos, passa o seu dia verificando o trabalho deles, manda alguns deles para a rua ganhar dinheiro; compra-os e os vende. Ela não somente comanda seus escravos, como também coordena sua família e outros dependentes com muita sutileza. Além de ser excelente administradora de escravos, tem uma capacidade incrível em outros negócios: ela investe em papéis e bens imobiliários; empresta dinheiro a Escobar, porém um pouco desconfiada; mantém o agregado José Dias satisfeito com pouco dinheiro e tem uma companhia que não lhe custa muito: uma parenta – ao que parece, deve apenas sustentá-la.

Machado de Assis utiliza alguns nomes somente uma vez, é o caso de “Capitolina”, porém alguns nomes são utilizados diversas vezes por variados personagens.

O nome “Capitolina”, a Capitu, possui feições romanas. Como foi mencionado acima, ele parece ter sido utilizado como substantivo próprio somente uma vez por Machado de Assis, mas o autor empregava freqüentemente o substantivo comum “capitólio”, de onde deriva esse nome. O significado desse nome é “triunfo, glória, eminência, esplendor, magnificência”.

O bem e o mal em Bento Santiago

Bento Santiago, durante a narrativa, nos diz haver um “par casado” dentro de si, uma luta entre um anjo bom e um outro mal. Ainda que ele identifique o anjo bom com a sua mãe e o mal com Capitu, há razões para acreditar que ele se encontra confuso. Segundo Helen Caldwell, alguns críticos de Shakespeare reuniram evidências para demonstrar que Otelo é uma peça sobre o milagre, em que Desdêmona representa Cristo e Iago o Diabo, em luta pela alma de Otelo.

O nome Santiago cabe em uma construção similar: ele é parte santo (Sant-) e parte Iago (-iago), ou seja, ele tem em si o bem e o mal lutando pela sua alma.

Santiago apresenta um Otelo – mas não do modo como foi sugerido por ele. Ele dispôs as naturezas opostas de Iago e Otelo em um único homem e associa, como vimos, Capitu a Satanás e a si mesmo com Cristo.

Em virtude do que foi mencionado, pode-se dizer que Dom Casmurro , assim como  Otelo  apresenta um triângulo amoroso, mutilado pelo ciúme, que acaba em tragédia, com a destruição do lar e da vida.

"Adaptação moderna de Dom Casmurro"


Machado de Assis, foi um seguidor de Shakeaspere e em sua obras tem um pouco desse magnífico escritor, enfatizando Dom Casmurro e Otelo podemos ver semelhanças, mas com carácteristicas distintas, vale a pena ler as obras ou assistir filmes referentes às obras e entrar nesse universo fascinante que é a Literatura de todos os tempos.


Mais sobre esse assunto

https://analice-alves.blogspot.com/2009/10/dom-casmurro-pequeno-resumo.html?m=1

https://analice-alves.blogspot.com/2009/10/machado-de-assis.html?m=1


Fontes: Livros de Literatura, sites de buscas literários e biográficos       




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